sábado, 23 de junho de 2018

O dom de agradecer




Em minha impaciência derramei todo o café do bule, estilhacei a xícara, empapei a roupa recém vestida. 
- Calma, Khaled - tentei apaziguar a mente tagarela que fez minhas mãos tremerem e meus pés tropeçarem.
Como vive ela ocupada de pré-ocupações...! Quantas lembranças e projeções de problemas...quantas quinquilharias...tanta pressa e falta de atenção dedicada ao que faço...
E como me esqueço de lembrar o quanto tenho a agradecer...!
O eterno presente, o tempo que tenho, a bênção de Deus...tanto recebo, todos os dias, a cada segundo da vida...
Penso no piso onde ando, brilhante, plano, polido: houve tempo em que andávamos sobre tocos de pedras, argila, terra bruta e áspera, até que o empenho, trabalho e sacrifício de alguém trouxe até nós este conforto e hoje nossos pés deslizam como nas nuvens. Olho as paredes que me cercam, e penso no suor com que foram erguidas. Quantos pensamentos sofridos, dores e tormentos guarda cada tijolo...quantos estudos, quantas tentativas e erros, pela história afora, para chegar-se ao modelo confortável de nossas casas atuais; e pensar que paguei apenas com dinheiro por tantos esforços.
 Vejo a árvore lá fora que, mesmo podada em múltiplas mutilações ignorantes, estende os galhos florescidos com paciência infinita e sem revolta.
Abro a torneira e a água escorre calma e serena, sem qualquer questionamento sobre o que será feito com ela, sem nenhuma condenação pelas tantas vezes que a desperdicei.
Preciso aprender a  tratar tudo com mais amorosidade. Cada gesto, cada movimento, deveria ser feito com carinho...até mesmo ao rasgar um papel deveríamos ser amorosos,  ensinando a cada célula, a cada átomo, o que é o amor. Pois um dia, cada pedacinho daquele papel rasgado será outra coisa...e outra...e mais outra...Nenhuma existência é em vão, e em cada uma as marcas são impressas no ser que a vivenciou. 
Meu exemplo, mesmo sem eu o saber, pode correr o mundo. Olhos me vêem, ouvidos me ouvem. Sou responsável pelo que de mim sai, em palavras e atos, e tão poucas vezes os vigio.
Lembro de muito reclamar ter de lavar a louça após um farto almoço; mas nunca havia pensado no esforço silencioso das panelas, entregando-se por horas ao fogo para nos preparar a comida...os pratos e copos que desajeitadamente atiro à pia, entre lamentos enfastiados, pacientes me deram de beber e comer. O alimento, antes vivo à luz do sol, sacrificou sua vida pela minha...é o quanto basta para que eu ao menos não o desperdice ou desdenhe.  

Eu te agradeço, Universo. Ensina-me a usar teus recursos com sabedoria...e um dia,  te agradecerei criando universos tão belos como tu.

⧪Bíndi⧪